segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

AÇÚCAR: TÓXICO PARA O CORPO E A MENTE?

 

AÇÚCAR: TÓXICO PARA O CORPO E A MENTE?

 

JOELSO PERALTA, Nutricionista, Professor, Palestrante, Mestre em Medicina: Ciências Médicas e Doutorando: PPG Farmacologia e Terapêutica - UFRGS.



Olá pessoal, tudo bem?

Como nutricionista, não quero sair em defesa do consumo do açúcar (sacarose), pois nutricionalmente não traz vitaminas e minerais em sua composição, embora tenha calorias advindas dos carboidratos (“calorias vazias”). Porém, como professor e pesquisador vejo muitas postagens afirmando que “açúcar é um veneno” ou “açúcar é tóxico”, segundo estudos. Uma grande parte destas postagens em mídias sociais não trazem as referências (estudos científicos) em suas oratórias. Quando trazem referências, citam sempre o mesmo estudo de 2013: Ruff J.S. et al. Human-relevant levels of added sugar consumption increase female mortality and lower male fitness in mice. Nat Commun 4, 2245, 2013 (https://doi.org/10.1038/ncomms3245). Como dito, não quero sair em defesa do açúcar, ou melhor, da sacarose, um dissacarídeo formado por 1 unidade de glicose e 1 unidade de frutose unidas por ligação 1-alpha-2-beta glicosídica, mas precisamos analisar as evidências. Certamente voltarei a falar deste assunto e, no momento, vejamos o estudo supracitado.

 

Conte-me sobre o estudo, professor?

Claro, o estudo de Ruff J.S. et al. (2013) foi realizado com 158 camundongos selvagens (Mus musculus) e, de antemão, não podemos extrapolar facilmente estudos com animais (ratos, camundongos, coelhos, porcos, chipanzés, etc.) para seres humanos.

 

AHHH, professor, mas o Projeto Genoma mostrou que não somos muito diferentes geneticamente destes animais, não é?

 

 Sim e não, quero dizer: usamos mamíferos em experimentos pré-clínicos porque apresentam fisiologia semelhante à nossa, mas semelhança não é igualdade. Aliás, os camundongos têm 30 mil genes e nós 100 mil, porém apenas 300 genes são responsáveis pelas diferenças entre camundongos e humanos. Isso te parece surpreendente ou humilhante?

Sim e não, quero dizer: se o que nos distingue de camundongos são apenas 300 genes, então você é um rato ou um homem? Peraí, você está esquecendo a complexidade do meio ambiente que rodeia e influencia os seres humanos. Diferentemente dos ratos e camundongos, nós (homens e mulheres), comemos (para mais ou para menos) quando estamos ansiosos ou estressados, quando sofremos desilusões amorosas e, até mesmo, quando estamos alegres e felizes. Quero dizer, por acaso você viu Mickey Mouse dizendo: família, vamos comemorar o aniversário da mamãe com tele pizza, sorvete e refrigerante?

Sim e não, quero dizer: o ser humano, diferentemente dos ratos e camundongos, comem emocionalmente (“comer hedônico”) e somos motivados aos hábitos familiares (saudáveis ou não) por circuitos de amizades e mídias sociais. Quero dizer, por acaso você viu Mickey Mouse olhando TV, lá no biotério das Universidades, e sentindo aquela vontade louca de pedir um hambúrguer com batata-frita?  

Sim e não, quero dizer: usamos modelos animais em estudos pré-clínicos, mas cuidado com as extrapolações, pois os seres humanos, diferentes do Mickey Mouse, vive em ambientes obesogênicos e possuem preferências (food craving) e tabus alimentares.

Sim e não, quero dizer: entre os mamíferos, algum tempo atrás reportagens faziam menção que seriamos 98 a 99% semelhantes aos chipanzés. Quer dizer, somente 1 a 2% dos diferencia dos chipanzés? Calma, surgiram críticas neste sentido, pois ao sobrepor as sequências de bases nitrogenadas do DNA, comparando seres humanos e chipanzés, as porções não correspondentes entre eles foram excluídas do modelo matemático (ou seja, 1,3 bilhões de bases nitrogenadas, restando 2,4 bilhões de bases remanescentes). Estudos posteriores encontraram estimativas de 70%, já considerando as bases não correspondentes nos materiais genéticos. Seja 70% ou 99%, não pense que 1% ou 30% é pouca coisa, pois 1% pode significar 30 milhões de diferenças em uma única célula entre as 10 trilhões (1.000.000.000.000.000.000, segundo notação brasileira) que temos.  

 

Com essas breves palavras, retornamos ao estudo:

O estudo de Ruff J.S. et al. (2013) foi realizado com 158 camundongos, com duração de 32 semanas, onde os animais foram divididos em dois grupos: aqueles alimentados com ração contendo amido de milho (no lugar da glicose e frutose), grãos integrais, fibras, vitaminas e minerais, água ad libitum; e aqueles alimentados com ração modificada contendo açúcar (ou seja, 25% das calorias totais contendo metade de glicose e outra metade frutose).

 

E quais foram os resultados?

As fêmeas apresentaram duas vezes mais taxas de mortalidade (na realidade, 1,97 vezes) do que o grupo controle. Nos machos, não houve diferença na mortalidade, mas 25,3% dos animais se tornaram menos territoriais e, portanto, houve menor taxa de reprodução neste grupo quando comparado ao grupo controle.

 

O que as pessoas compartilharam nas mídias sociais?

Estudo finalmente mostra que açúcar é tóxico, mesmo de doses normais ou baixas. Ainda, camundongos alimentados com dieta rica em açúcar apresentaram alta mortalidade e se reproduziram menos. Enfim, açúcar é um veneno aos seres humanos, que podem morrer cedo ou apresentar infertilidade, comprovado pela ciência.

 

Peraí, meu irmão, o estudo é com camundongos (rs).

E, além disso, você leu e entendeu o estudo na integra? Creio que não, então vou te ajudar.

 

Alimentação contendo glicose/frutose e sobrevivências das fêmeas:

As fêmeas apresentaram 1,97 vezes mais taxas de mortalidade do que o grupo controle. Porém, o metabolismo do animal (fêmea) aumenta 18-25% em decorrência das exigências da gestação e lactação, então será que a dieta rica em glicose e frutose não supriu as necessidades energéticas e de nutrientes dos animais, favorecendo a mortalidade?

A culpa da mortalidade foi a dieta rica em açúcar (glicose e frutose) ou foi a falta de energia/nutrientes imposta pela dieta não comumente realizada pelos animais?

A manipulação dietética e nutricional (mais açúcar, menos nutrientes) favoreceu a mortalidade ou a dieta rica em açúcar (glicose e frutose) que realmente conduz a mortalidade?

E, se açúcar aumenta a mortalidade, porque a mortalidade se apresentou apenas nas fêmeas e não nos machos?

Humm, o número de filhos (prole) favoreceu a mortalidade nas fêmeas, afinal são elas que vão “dar à luz”?

Quais mecanismos fisiobioquímicos explicam a mortalidade, pois o estudo não trouxe, você viu?

 

Alimentação contendo glicose/frutose e habilidade competitiva e sucesso reprodutivo nos machos:

Nos machos, 25,3% dos animais se tornaram menos territoriais e menos reprodutivos. Porém, porque a taxa reprodutiva reduziu durante o estudo?

Animais obesos apresentam menos taxas reprodutivas, mas estes animais (machos e, até mesmo, fêmeas) não engordaram, como veremos.

Será que um declínio reprodutivo não se deve à falta de energia e nutrientes da dieta comercial padrão? Quer dizer, 25% das calorias totais (e nutrientes) foram excluídos a favor de açúcar (glicose e frutose) e, portanto, a baixa habilidade competitiva territorial e reprodutiva se deve ao açúcar ou falta de energia/nutrientes?

Novamente, outros estudos dizem que obesidade prejudica competição e reprodução, mas neste estudo os animais não se tornaram obesos.

Ainda, este estudo deixa claro que a ração modificada, contendo glicose e frutose, tornou deficiente a dieta dos animais, já pensou nisso?

Os outros animais, por sua vez, recebiam amido de milho (no lugar da glicose e frutose), grãos integrais, fibras, com vitaminas e minerais adequados e otimizados, água ad libitum, será que isso não influenciou nos resultados?

 

Alimentação contendo glicose/frutose e coisas que você deveria pensar:

Pense Nº1:

Não houve diferença, nos dois grupos, quanto a obesidade, níveis de insulina, concentração de glicose e triglicerídeos. Ou seja, a dieta rica em glicose e frutose não tornou os camundongos “gordinhos”, mas você não dizia que açúcar engorda e lhe deixa obeso? É o açúcar que engorda ou excesso de calorias na dieta, sejam carboidratos, lipídeos ou proteínas?

Pense Nº 2:

Ainda, as taxas de depuração da glicose não foram afetadas pela dieta rica em açúcar (glicose e frutose). Aliás, as medidas de glicose, triglicerídeos e insulina em jejum não foram afetadas pela dieta rica em glicose e frutose. Ué, não mídias sociais você não dizia que açúcar causa diabetes? É o açúcar que causa diabetes ou a doença é multifatorial e você não estudou “direitinho”?

Pense Nº 3:

O colesterol total (CT) aumentou 1,69 vezes nos animais alimentados com dieta rica em glicose e frutose. Porém, podemos dizer que existe disfunção hepática na produção de colesterol (colesterologênese) se não foram avaliados outros parâmetros, como VLDL, LDL e HDL? Aliás, que teste de função hepática foi realizado? Ué, você não dizia que açúcar causa infarto, mas não foram avaliadas LDL oxidadas (ox-LDL), tão pouco placas de ateroma nestes animais.   

Pense Nº 4:

Um diferencial neste estudo é que os animais deste experimento não foram obtidos de linhagens de laboratórios, criados em gaiolas, em biotérios, como normalmente ocorrem. Foram utilizados animais descendentes de linhagens “selvagens” a fim de estimular um “grau de liberdade ou instinto de exploração territorial” nos animais. Peraí, o Mickey Mouse pensa: sacanagem, me escolheram como linhagem selvagem, buscam um ambiente mais realista, livre de gaiolas, mas me oferecem “suco contendo açúcar” (rs)? OK, apenas uma brincadeira, pois acho válida a estratégia.

Pense Nº 5:

Semanas antes do experimento, todos os animais receberam dieta rica em açúcar e, somente com início do estudo, houve separação dos grupos. Essa “experimentação prévia de açúcar” pode ter interferido nos resultados? Aliás, não entendi porque a experimentação prévia, embora foi descrito o Organismal Performance Assays (OPAs), que é um método para avaliação de desempenho, tentando imitar condições seminaturais, como o consumo de açúcar pelos seres humanos (13-25% dos americanos), resumidamente.  

 

Considerações finais

Como nutricionista, não quero sair em defesa do consumo do açúcar (sacarose), mas não vejo como este estudo pode provar que “açúcar é um veneno” ou “açúcar é tóxico”, me entende? Aliás, qual método sensível podemos utilizar para mensurar a toxicidade (corporal ou mental) do açúcar em animais e seres humanos? Por fim, não estou falando do açúcar mascavo e similares nesta postagem, tão pouco dizendo que adoçantes são melhores açúcares, portanto, não faça confusão. A postagem está limitada na análise do estudo e, certamente, trarei outros estudos para responder à pergunta original: o açúcar é tóxico?

 

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sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

CHIP DA BELEZA: POSSO TE FALAR ALGUMAS VERDADES?

 

CHIP DA BELEZA: POSSO TE FALAR ALGUMAS VERDADES?

 

JOELSO PERALTA, Nutricionista, Professor, Palestrante, Mestre em Medicina: Ciências Médicas e Doutorando: PPG Farmacologia e Terapêutica - UFRGS.



Olá pessoal, tudo bem?

O “chip da beleza” é, na realidade, um implante hormonal, pequeno (até 1,5 a 3 cm), inserido abaixo da pele, com anestesia local, e usado para fins estéticos: perda de gordura localizada, eliminação da celulite e ganho de massa muscular. Este “chip” (que não é um “chip”) pode conter um ou mais hormônios: ocitocina, gestrinoma, testosterona, entre outros, que são liberados periodicamente na corrente sanguínea.

 

Legal, não é mesmo?       

Segundo reportagens veiculadas nas mídias, algumas famosas já colocaram seu “chip da beleza”: ex-BBB Flayslane, ex-Panicat Juju Salimeni, atriz Deborah Secco e cantora Marvvila (Kassia Marvila).

 

Legal, está interessado (a)?

Peraí, a ex-BBB Flay diz ter se arrependido, pois seus cabelos caíram muito, ficou bastante irritada e ficou inchada (https://gshow.globo.com/moda-e-beleza/noticia/chip-da-beleza-veja-famosas-que-ja-usaram-e-tiveram-reacoes.ghtml). Hoje, dia 15/12/2023, uma jovem de 20 anos foi internada em estado grave, em um hospital de São Paulo, com quadro de edema cerebral após colocar o “chi da beleza” contendo ocitocina e outros hormônios (https://g1.globo.com/saude/noticia/2023/12/15/chip-da-beleza-com-ocitocina-implante-hormonal-turbinado-leva-jovem-para-uti-veja-os-riscos.ghtml).

 

Não é legal, não acha?

Beleza, deixa te falar algumas verdades:

 

VERDADE Nº1:

O uso do “chip da beleza” não é autorizado pela Conselho Federal de Medicina (CFM), pois não existem estudos científicos que comprovem sua eficácia. Não existe uma regulamentação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) para o uso do “chip da beleza”. O posicionamento da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) ficou um tanto confuso (ou em cima do muro), embora destacou que os benefícios não são maiores que os risco à saúde (https://www.endocrino.org.br/chip-ou-implante-da-beleza/). Aliás, o “chip da beleza” não é recomendado pela Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), que destaca a falta de controle das doses e dos hormônios usados. A Associção Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (ABESO) fez uma matéria sobre o ocitocina (encontrado no "chip da belaza"): "Hormônio Mostra Potencial na Perda de Peso", porém deveria ter destacado fortemente que estudos com animais não podem ser facilmente extrapolados para humanos e, ainda, destacar que faltam evidência científicas de forma geral com humanos.

 

VERDADE Nº2:

Não existe perda de gordura localizada com “chip da beleza”!

Estamos falando de hormônios e, dessa forma, podemos recorrer a fisiologia básica para evitar equívocos: hormônios são substâncias que excitam, estimulam, uma atividade celular, sendo produzidos por uma célula ou grupo de células, vão ao sangue e agem sobre outros conjuntos de células. Existem, na realidade, diferentes ações hormonais (endócrina, parácrina, autócrina e neurotransmissora), mas não existe mobilização de gordura apenas no abdome, abaixo do umbigo, como se fosse uma “varinha Pirelin Plim Plim” dos desenhos animados.

Você não vai eliminar a celulite com “chip da beleza”.

A celulite (lipodistrofia ginóide ou lipoesclerose nodular) é uma perturbação na pele multifatorial (genética, hormonal, decorrência da má alimentação, sedentarismo, tabagismo, alterações ou doenças circulatórias, uso de roupas apertadas e sobrepeso ou obesidade) com diferentes graus caraterísticos e, portanto, não seria apenas uma mudança em específico (“chip” com hormônios) capaz de “eliminar” a celulite. Por isso, o tratamento da celulite é, geralmente, multifacetado (dieta, exercício físico, auxilio dermatológico, drenagem linfática, lipocavitação, radiofrequência, entre outros).

 Não, você não ficar musculoso com “chip da beleza”.

O aumento da secção transversa do músculo esquelético ou hipertrofia muscular requer a combinação de inúmeros fatores: genética, fatores psicológicos e motivacionais, equilíbrio hormonal, adequação do período de sono, alimentação balanceada e, possivelmente, auxilio ergogênico nutricional. Em outras palavras, o anabolismo muscular deve superar o catabolismo, mas o “turnover” proteico muscular é muito mais complexo que acreditar na maravilhosa invenção do “chip da beleza”.

 

VERDADE Nº3:

Eu sei, é dureza ler isso, mas os benefícios não superam os riscos. Quais riscos, professor? Segura aí: aumento de oleosidade da pele e surgimento de acne, queda de cabelo e risco de calvície, agressividade e irritabilidade, inchaço e alterações menstruais. Dependendo da combinação hormonal no “chip da beleza” (doses inesperadas de testosterona, por exemplo), pode-se esperar aumento da pressão arterial, hipertrofia clitoriana, diminuição das mamas, hirsutismo (crescimento de pelos na face e corpo), resistência periférica à insulina, dislipidemia com elevação do colesterol sérico e queda do HDL-colesterol, hepatopatia e miocardiopatia. Observem, ainda, que o “chip da beleza” não é recomendado para pessoas com problemas cardíacos, dislipidêmicos e diabetes, porque será?

 

VERDADE Nº4:

Gestrinoma não é para ganhar músculos, mas tem gente “vendendo” essa ideia. Ocitocina não é para “secar barriga”, mas tem gente falando bobagem. Portanto, deixa-me ser direto:

O implante de gestrinoma (que não é “chip”) foi desenvolvido para tratamento da endometriose, adenomiose, miomatose e, até mesmo, tensão pré-menstrual (TPM). Para tanto, o gestrinoma possui ação antiestrogênica e antiprogesterona. Como efeito colaterol (e não adverso), observou-se aumento da massa muscular em alguns indivíduos (mulheres). Acredita-se que o gestrinoma, inibindo estrógenos e progestágenos, resulte em aumento, discreto, de testosterona nestas mulheres (propriedade androgênica). Claro, algumas mulheres relatam reações adversas: acne, seborreia, retenção de fluidos, ganho de peso, hirsutismo, alopecia, edema, diminuição do volume das mamas e mudança no padrão da voz. Sendo assim, gestrinoma foi desenvolvido para ganhar músculos?

Já ocitocina (oxitocina) é um hormônio produzido nos núcleos supraópticos e paraventriculares do hipotálamo, sendo secretado pela neuro-hipófise. Sua função é promover a contração uterina durante o parto e permitir a ligação mãe-bebê durante a amamentação. Além disso, parece existir alguma relação com vínculo emocional ou afeito, por isso a ocitocina tem sido estudada no autismo. Todavia, estudos com animais mostraram alguma redução de peso com ocitocina e, BINGO, as pessoas já pensam em usar para emagrecimento. Porém, deixa-me dizer uma coisa: em humanos, o uso de ocitocina com finalidades estéticas, emagrecimento ou ganho de massa muscular, são insignificantes ou nulos. Aliás, os poucos estudos que existem possuem limitações (pequeno grupo amostral, reduzido tempo de uso e, até mesmo, viés de confusão porque combinam ocitocina com dieta, treino ou medicamentos).  

Enfim, é óbvio que a palavra “chip da beleza” (beauty chip) não teria nenhum estudo no PubMed ou em qualquer plataforma de busca. Afinal, não existem evidências científicas para o “chip da beleza”.

 

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quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

CRACK, TÔ FORA. BIOQUÍMICA DO CRACK

 

CRACK, TÔ FORA.

BIOQUÍMICA DO CRACK

 

JOELSO PERALTA, Nutricionista, Professor, Palestrante, Mestre em Medicina: Ciências Médicas e Doutorando: PPG Farmacologia e Terapêutica - UFRGS.



Olá pessoal, tudo bem?

Crack é uma droga ilícita, criada na década de 70 e disseminada em meados dos 80, produzida a partir da cocaína. Entre 1984 e 1990, falava-se em "Epidemia de Crack". Não sabemos o número exato de usuários no Brasil, mas sugere-se 0,81% da população (mais de 370 mil usuários regulares) (https://www.icict.fiocruz.br/content/quantos-s%C3%A3o-os-usu%C3%A1rios-de-crack-no-brasil). Enfim, meu objetivo, aqui, é apresentar uma breve discussão bioquímica do crack, relacionada aos efeitos danosos à saúde. E, ao final, deixar três perguntas reflexivas.

 

CRACK: UMA BREVE HISTÓRIA

O crack é uma droga obtida da mistura da pasta-base de coca ou cocaína refinada, misturada com bicarbonato de sódio ou amônia e água. Seus efeitos psicoativos iniciam após 6 a 8 segundos (portanto, muito rápido) e duram 5 a 10 minutos (portanto, estimula nova procura, especialmente devido dependência química). O crack possui diferentes vias de administração: aspirada, fumada e injetada.

Ao fumar o crack (“cachimbo”), seu princípio ativo (cocaína) é absorvido pelos capilares pulmonares e segue pela corrente sanguínea, sendo distribuída por todo o corpo. Devido sua lipossolubilidade (ou seja, insolúvel em água), o crack atravessa a barreira hematoencefálica (BHE).

 

CRACK: MECANISMOS BIOQUÍMCOS

O crack/cocaína bloqueia os canais de sódio voltagem-dependente, exercendo efeito anestésico local, o que acaba interrompendo a transmissão dos impulsos nervosos. Além disso, o crack inibe a recaptação de dopamina (DA), serotonina (5-HT) e norepinefrina (NE) nos terminais monoaminérgicos no cérebro. Aliás, a hipótese monoaminérgica está implicada na depressão, ou seja, em pessoas sadias, 5-HT e DA (neurotransmissores) são liberados pelos neurônios pré-sinápticos e ligam-se em receptores pós-sinápticos. Estes (5-HT e DA), também podem ser recaptados e degradados por enzimas específicas. Pois bem, em pacientes depressivos, observamos redução dos neuroquímicos e bloqueios na recaptação, que são corrigidas com medicação.

Claro, na depressão existem outras vias sendo estudadas e, por isso, seria “muito errado” falar que “pode curar a depressão comendo bananas porque tem triptofano”, como já observei nas mídias sociais. Enfim, na depressão, estuda-se as alterações epigenéticas associadas ao estresse e alguns genes: NRC31, SLCA4, BDNF, FKBP5, SKA2, OXTR, LINGO3, POU3F1 e ITGB1. Ainda, existem estudos que apontam para a neuroinflamação ou imunoinflamação na depressão, onde são focos de pesquisa as citocinas pró-inflamatórias (IL-1b, IL-6 e TNFa) e o papel da micróglia e astrócitos. O eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA) tem sido frequentemente estudado, onde a hipersecreção de cortisol e outros glicocorticoides poderia elucidar alguns mecanismos na doença. Por que estou introduzindo a depressão? KEEP CALM, pois já vai entender.

Retomando o crack, sua dependência e vício tem relação com inibição no transporte de DA nas terminações nervosas mesolímbicas e nigroestriais, embora não podemos descartar outros desequilíbrios neuroquímicos (5-HT e NE).

Ainda falando em cérebro, o córtex pré-frontal (CPF) – uma das áreas de estudo em meu doutorado junto ao Programa de Farmacologia e Terapêutica da UFRGS – é a região mais prejudicada pelo uso da substância (crack). BAH, aproveitando, deixa-me contar uma pequena história sobre o CPF:

Phineas Gage, 25 anos, era um funcionário de uma ferrovia americana, sendo considerado um rapaz doce, sociável, amável. Em 1848, após uma explosão acidental no local de trabalho, teve seu córtex pré-frontal (CPF) destruído por uma barra de ferro. Ele não morreu e após muitas cirurgias, voltou ao convívio da sociedade. Todavia, ele estava totalmente diferente: antissocial, agressivo, inconsequente, rude. Quer dizer, o CPF modula e controla o comportamento humano ou social, o que nos permitem ser seres autônomos. Podemos tomar decisões e controlar nossas próprias vidas sob comando do CPF. Ainda, ele controla o comportamento emocional, que permite a relação interpessoal. Por fim, o CPF mantém à atenção, memória de trabalho, das habilidades cognitivas. Uma lesão nesta região causa distração, dificuldade de concentração, dificuldade para controlar impulsos, perda do senso de responsabilidade, perda de flexibilidade cognitiva e raciocínio. Enfim, prejudica o planejamento e a tomada de decisão, onde as pessoas perdem o julgamento moral, a tomada mais assertiva das situações e da resolução dos problemas.

Retomando o crack, ele “destrói” seu córtex pré-frontal (CPF), além de perturbar a química dos neurotransmissores (5-HT, DA e NE). Não esqueçam, ainda, que o CPF, especialmente o CPF dorsolateral, recebe fibras de todas as demais áreas do córtex e mantém comunicação recíproca com o sistema límbico (hipocampo, amígdala e hipotálamo). Em suma, caso não captou a mensagem: o crack vai “derreter” seu cérebro (em uma linguagem leiga, obviamente).

Agora, vamos falar dos efeitos sistêmicos do crack:

De forma sistêmica, a exposição à cocaína/crack causa agitação, insônia, alucinação, convulsão, hipertermia, hipertensão arterial, taquicardia, midríase (dilatação das pupilas), ansiedade, irritabilidade, depressão, psicose, paranoia, perda do apetite, rigidez muscular, comprometimento do sistema imunológico e depressão cardiorrespiratória, podendo conduzir ao óbito por morte súbita, eventos cerebrovasculares, isquêmicos ou hemorrágicos. E, para constar, estou apenas resumindo os efeitos sistêmicos.  

CRACK: COMENTÁRIOOS FINAIS E REFLEXÃO

Além dos danos mentais e físicos, não devemos negligenciar os danos sociais do uso do crack e cocaína, que afetam o trabalho, lazer, gestão financeira e convívio familiar, mas também se manifestam no roubo, violência, assassinato, suicídio, acidente de trânsito e viver na “marginalidade”. Não esqueçamos, também, o aumento nos casos de HIV/AIDS e outras doenças sexualmente transmissíveis em usuários de drogas ilícitas, incluindo cocaína e crack.

Neste sentido, deixo três perguntas, reflexões:

PRIMEIRO: os viciados em crack são criminosos ou pessoas doentes?

Não quero influenciar sua resposta (mas já influenciando, rs), lembre-se:  são inúmeros os motivos que levam uma pessoa a “cair” nas drogas, sendo eles baixa autoestima, fracasso na vida pessoal e financeira, influência de amigos (ou seriam inimigos?), bullying, problemas sociais e familiares, violência familiar e abuso sexual e, até mesmo, pura curiosidade ou predisposição genética. Portanto, não se limite em dizer que “Crocolândia é uma região zumbi”, vamos refletir mais profundamente.

SEGUNDO: quem produz e vende crack/cocaína é comerciante ou assassino?

Existem “Leis de Drogas” para quem importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer, com pena de reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos, pagamento de multa (R$ 500,00 a R$ 1500,00 por dia-multa), mas minha pergunta é mais profunda, pense bem antes de responder. 

Deixa-me complicar ainda mais sua reflexão: 1 g de cocaína vale R$ 6 a 25 (6 a 25 reais). O traficante compra por R$ 4 (4 reais) e revende por R$12 (12 reais), segundo algumas reportagens. Em outras reportagens brasileiras, 1 kg de crack custa 20 a 45 mil reais, dependendo da pureza. Em média, digamos assim, 30 mil/kg. Quanto fatura uma pessoa, traficando, comerciante, que possui 10, 15 ou 20 toneladas de crack? Faz o cálculo aí, lembrando que 1 tonelada = 1000 kg. 

Mesmo não tendo domínio bioquímico do assunto, será que o “comerciante”, traficante, não sabe que o crack/cocaína causa vício rapidamente e “destrói” completamente a vida de filhos, filhas, irmãos, irmãs, pais, mães, avós, amigos, colegas e sociedade em geral?

TERCEIRO, qual política efetiva para combate às drogas temos no Brasil e no Mundo? 

Aliás, e no Universo Conectado da Internet, onde facilmente se compra e vende qualquer droga, como funciona o combate? 

Será que uma campanha publicitária “Crack, tô fora” funciona?

 

Sugestões de leitura:

Rev Med Minas Gerais 2015; 25(2): 253-259 (doi: 10.5935/2238-3182.20150045).

Aletheia 42, set./dez. 2013.

Rev Assoc Med Bras 2012; 58(2):141-153.

Saúde em Debate. Rio de Janeiro, v. 37, n. especial, p. 12-20, dezembro 2013.

Toxins (Basel). 13;14(4):278, 2022 (doi: 10.3390/toxins14040278).

Rev Neurosci. 18;31(1):59-75, 2019 (doi: 10.1515/revneuro-2018-0118).

 

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terça-feira, 12 de dezembro de 2023

L-ARGININA, L-CITRULINA, L-ORNITINA E NITRATO: EXISTEM EVIDÊNCIAS NO EXERCÍCIO E NO ESPORTE?

 

L-ARGININA, L-CITRULINA, L-ORNITINA E NITRATO: EXISTEM EVIDÊNCIAS NO EXERCÍCIO E NO ESPORTE?

 

JOELSO PERALTA, Nutricionista, Professor, Palestrante, Mestre em Medicina: Ciências Médicas e Doutorando: PPG Farmacologia e Terapêutica - UFRGS.




Olá pessoal, tudo bem?

Hoje vamos falar de vasodilatação de arteríolas e artérias do músculo esquelético em resposta à suplementação de L-arginina, L-citrulina ou nitratos (NO3). Quer dizer, funcionam ou não passam de propagandas exageradas e enganosas? Essa matéria será dividida em duas partes: mecanismo de ação e evidências científicas.

 

PARTE 1: MECANISMO DE AÇÃO

 

L-arginina é substrato da arginase no ciclo da uréia, onde forma ornitina e uréia. Ciclo da uréia é uma via metabólica de detoxificação da amônia (NH3), que ocorre no tecido hepático. Uréia é uma substância nitrogenada oriunda do catabolismo de aminoácidos das proteínas, sendo a principal forma de eliminação de aminogrupos dos aminoácidos, perfazendo 90% dos compostos nitrogenados na urina.

Peraí, você lembra do ciclo da ureia nas aulas de bioquímica?

Se não, deixa-me resumir:

Amônia (NH3) se combina com bicarbonato (HCO3-) para formar carbamoil-fosfato (CAP) pela carbamoil-fosfato sintetase 1 (CPS1). CPS1 é regulado pelo N-acetilglutamato (NAG). CAP se combina com ornitina para formar citrulina em uma reação catalisada pela ornitina transcarbamoilase (OCT). Em seguida, citrulina se combina com aspartato para formar argininosuccinato pela argininosuccinato sintase (ASS). Este, se cliva em arginina e fumarato pela argininosuccinato liase (ASL). Fumarato entra no ciclo de Krebs (ciclo dos ácidos tricarboxílicos ou ciclo TCA), enquanto que arginina segue para formar ornitina (que dá início ao ciclo) e ureia (que sai na urina).

Todavia, L-arginina também forma agmatina pela arginina descarboxilase ou, ainda, forma óxido nítrico (NO) pela óxido nítrico sintase (NOS). Agmatina tem sido estudada como possível neuromodulador (neurotransmissor) do sistema nervoso central (SNC), exercendo efeito antidepressivo. NO é um importante (se não o mais importante) fator de relaxamento derivado do endotélio (EDRF), quer dizer, um agente vasodilatador.

Na realidade, NO possui muitas funções no organismo em decorrência de suas propriedades anti-inflamatórias, anti-agregatórias, anticoagulantes e antioxidantes. É um “cara legal”, digamos assim. Você vai preferir um aumento de EDRF/NO do que aumento de endotelina-1 (ET1), que é um agente vasoconstritor quando pensa em saúde cardiovascular, evitando a aterosclerose.

O dinitrato de isossorbida (Isordil), usado para angina pectoris, libera NO. O citrato de sildenafila (Viagra) causa vasodilatação (relaxa os vasos sanguíneos e aumenta o fluxo de sangue) no pênis, pois libera NO. No exercício e no esporte, discute-se se a suplementação de L-arginina poderia provocar vasodilatação de arteríolas na musculatura esquelética, fornecendo nutrientes e oxigênio aos músculos solicitados durante o esforço físico, o que poderia reduzir a fadiga e aumentar a vasodilação (ou “bombeamento permanente”).

Para finalizar essa parte bioquímica, NO3- (nitrato) pode ser reduzir em NO2- (nitrito) e, em seguida, em NO (óxido nítrico). Além disso, um aumento de NO, via L-arginina, pode formar nitrosotiol (RS-NO) com auxílio de grupo tiol do N-acetilcisteína (SH-NAC). RS-NO forma guanosina monofosfato cíclico (cGMP), que possui efeito antiaterogênico. Por outro lado, NO também pode “fugir” para formar peroxinitrito (ONOO-). Quer dizer, ONOO- é formado pela combinação de NO com ânion superóxido (O2·-), sendo um poderoso oxidante de proteínas. Ainda, ONOO- pode protonar íon de hidrogênio (H+) para formar radical hidroxil (OH•), um poderoso oxidante celular.

Aí, vem a pergunta de interesse:

L-arginina poderia ter um efeito agudo sobre a dilatação do calibre dos vasos sanguíneos nos músculos submetidos ao esforço físico? E, ainda, L-arginina poderia aumentar as concentrações do hormônio do crescimento (GH) (efeito crônico), tendo um papel no desempenho atlético?

Bem, continue a leitura na Parte 2, logo abaixo.

 

PARTE 2: EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS

 

EFEITO DA L-ARGININA SOBRE GH/IGF1

 

Estudo publicado em 1999 (doi.org/10.1590/S0004-27302007000400013) avaliou a vasodilatação e secreção do hormônio do crescimento (GH) com a suplementação de L-arginina intravenosa em 10 homens saudáveis e não encontrou qualquer benefício da suplementação sobre os parâmetros avaliados.

Em outro estudo, de 2005 (doi: 10.1016/j.ghir.2004.12.004), a L-arginina intravenosa, em 8 homens saudáveis, observou aumento na concentração de GH com pico iniciando em 30 e decréscimo após 60 minutos.

Todavia, em 2007 (doi.org/10.1590/S0004-27302007000400013), um estudo com humanos mostrou que a suplementação oral de L-arginina não aumentou GH, nem mesmo o fator de crescimento semelhante à insulina (IGF1).

 Já em ratos Wistar, um estudo publicado por Chiyoda et al. (2009) (doi: 10.6063/motricidade.5(4).166), a suplementação de L-arginina reduziu GH.

Vamos para 2014, onde um estudo (doi: 10.1123/ijsnem.2013-0106) mostrou que a suplementação de L-arginina não aumentou GH, IGF1 ou grelina.

Beleza, vejamos o que diz uma revisão sistemática com metanálise (portanto, elevado grau de evidência científica) de 2022 (doi: 10.1155/2022/8739289): a suplementação de L-arginina aumenta as concentrações de GH em indivíduos deficientes de GH. A deficiências de GH pode afetar o crescimento e estatura das pessoas, especialmente na faixa etária pediátrica e, portanto, a suplementação pode ter uma finalidade terapêutica de interesse. A secreção de GH pode ser maior quando arginina é combinada com outros aminoácidos (metionina, lisina e/ou histidina), porém em pessoas deficientes de GH.

Enfim, sob à “luz das evidências”, um possível efeito crônico da L-arginina sobre a síntese e secreção de GH/IGF1 no exercício e no esporte não possui comprovação científica. O exercício físico afeta a secreção de GH pela inibição na liberação hipotalâmica de somatostatina e estimulação na liberação do hormônio liberador de GH (GHRH) e grelina. Sua indicação para déficit pôndero-estatural é controverso, necessitando de estudos adicionais.

Será que existem evidências sobre a vasodilatação? Vejamos!

 

EFEITO DA L-ARGININA SOBRE VASODILATAÇÃO

 

Em 2011, um estudo (doi: 10.1123/ijsnem.21.4.291) avaliou o efeito da arginina alpha-cetoglutarato (AAKG) sobre o fluxo sanguíneo em 24 homens, fisicamente ativos, por 7 dias. Ao final do estudo, os pesquisadores concluíram que o aumento do fluxo sanguíneo foi associado ao exercício físico e não a suplementação de AAKG.

Já em 2012, um estudo (doi: 10.1139/h11-144) com 15 homens, ingerindo altas doses de L-arginina (6 g/dia) observou um aumento do fluxo sanguíneo muscular, mas sem qualquer aumento na força durante o treinamento resistido. Segundo os autores, seria muito prematuro recomendar tal suplementação como auxílio ergogênico.

Então, em 2014, outro estudo (doi: 10.3402/fnr.v58.22569) com 15 homens e mulheres, fisicamente ativos, usando 6 g/dia de L-arginina, não encontrou qualquer diferença sobre a insulina, GH/IGF1, vasodilatação ou desempenho esportivo.

Que decepção, não é mesmo?

Você “jurava” que aumentava GH e obtinha “bombeamento permanente”, não é mesmo? Pois é, os estudos não apoiam sua observação ou opinião pessoal. De certa forma, a suplementação com L-arginina foi perdendo força a cada estudo (“tapa na cara”) e, obviamente, a indústria dos suplementos esportivos tinham que promover outros candidatos à vasodilatação: L-citrulina e nitratos (NO3).

Então, vamos lá novamente:

Uma revisão sistemática e metanálise (elevado grau de evidência científica), publicado em 2020 (doi: 10.1249/MSS.0000000000002363), relata que a suplementação de nitrato (NO3) tem utilidade limitada como recurso ergogênico e mais estudos seriam necessários com validar sua utilização.

Outra revisão sistemática e metanálise de ensaios clínicos randomizados, publicado em 2021 (doi: 10.1186/s12970-021-00472-y), avaliou 59 estudos com uso de polifenois, arginina, citrulina e nitrato (NO3). Direto à conclusão: atletas podem se beneficiar com polifenois, mas não NO3, arginina ou citrulina.

Em outro estudo, publicado em 2021 (doi: 10.1007/s00421-021-04774-6), a suplementação de citrulina no desempenho atlético é incerta, pois a grande parte dos estudos tem metodologias inadequadas.

Já outra revisão sistemática, publicada em 2022 (doi: 10.3390/ijerph19020762), mostrou que nitratos (NO3) podem melhorar o exercício explosivo, mas não sabemos os efeitos em diferentes modalidades esportivas.

Enfim, novamente sob à “luz das evidências”, um possível efeito agudo da L-arginina, L-citrulina e NO3- sobre a vasodilatação, via formação de NO (óxido nítrico), não possui respaldo científico. E, antes que perguntem, não existem estudos sérios e com boa metodologia sobre a suplementação de L-ornitina (temos poucos trabalhos combinando ornitina com BCAA – aminoácidos de cadeia ramificada – e outros aminoácidos, mas não ornitina isoladamente).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No passado, as pessoas acreditavam que consumir L-arginina aumentaria NO (ou mesmo GH/IGF1) no exercício e no esporte, afinal arginina pode virar NO diretamente pela NOS (óxido nítrico sintase). Porém, as evidências esmagam nossas esperanças e destroem completamente as falácias dos “treinadores de campões” do Universos Fitness e, até mesmo, irritam as indústrias mulbilionárias dos suplementos esportivos. O exercício físico aumenta NO naturalmente na medida da necessidade (doi.org/10.4025/reveducfis.v23i3.11738) e, por isso, reduz o risco de hipertensão e aterosclerose. Talvez (e só talvez), os suplementos de L-arginina poderiam beneficiar pacientes cardiopatas, que realmente tem alguma deficiência na via de EDRF/NO com aumento de endotelina-1 (ET-1), mas estou apenas especulando. Da mesma forma, não existem evidências para indicação da suplementação de L-citrulina, L-ornitina e nitratos (NO3-).

 

Bom, pelo menos não existem risco à saúde, né Professor?

Peraí, não é bem assim.

A exacerbação das vias EDRF/NO pode favorecer a formação de espécies reativas de nitrogênio (RNS). Quer dizer, o NO possui uma dualidade de função: benéfica (vasodilatação, importante para saúde cardiovascular) e maléfica ou tóxica (forma-se peroxinitrito ou ONOO-). ONOO- é um poderoso oxidante de proteínas. Ainda, ONOO- pode protonar íon de hidrogênio (H+) para formar radical hidroxil (OH•), outro poderoso oxidante celular. Não existem fortes investigações neste sentido, que não é foco de interesse nos estudos relacionados ao esporte, mas é interesse nosso: professores de bioquímica aplicada à clínica. 

AHHH, para curiosidade: NO3- (nitratos) são encontrados em vegetais folhosos verdes e beterraba, enquanto que nitritos e nitratos de sódio são usados como conservantes alimentícios. Estes últimos são perigosos à saúde, pois se transformam em nitrosaminas associados ao câncer gástrico, por exemplo.

 

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